sexta-feira, 14 de março de 2008

Eduardo Guimaraens e José Paulo Paes


O Cisne e o Lago - Eduardo Guimaraens

Um cisne de suave e soberba plumagem,
à flor de um lago azul onde a manhã se espelha,
segue surpreso o cisne irreal que o semelha
ao fundo d'água, e feito à sua própria imagem.

Verdes, ao derredor, uma ou outra ramagem
refletidas. E na onda a luz do sol centelha.
Desde a rósea alvorada à véspera vermelha,
sente o cisne a enlevá-lo essa branca miragem.

Pende às vezes o colo esbelto longamente
para o cristal: e beija um fantasma que mente,
até que baixe a noite e as suas penas tisne.

Tremem os caniçais... os astros despontaram...
E fica o cisne só, como as almas que amaram
e para quem o amor foi a sombra de um cisne.


Orfeu - José Paulo Paes

O jabuti perdeu a companheira por causa de um ovo
atravessado que nem o veterinário conseguiu tirar.

Durante meses, ficou a percorrer aflito o jardim, de cá
para lá, de lá para cá, procurando-a.

Nas épocas de cio, soltava, angustiado e cavo, o seu
chamado de amor.

À falta de recursos concretos, acabou por finalmente
desistir da busca.

Voltou a andar no passo habitual e a ficar, como
antes, longas horas imóvel aquentando sol.

Isso até o dia em que deixaram encostado ao muro do
fundo do quintal um velho espelho.

Assim que topou com ele, estacou e se pôs a
balançar a cabeça de um para outro lado no esforço de
reconhecimento.


Quando julgou distinguir ali a companheira,
soltou, mais angustiado e cavo do que nunca, seu chamado
de amor.

Repetiu-o o dia inteiro diante do vidro impassível.
Porém ela continuou para todo o sempre prisioneira do
espelho.

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